sexta-feira, novembro 28, 2008

Lira

Minha voz ecoa
onde pássaro algum voa
num recôndito profundo
o silêncio povoa.

Meu canto-silêncio diz
o que minha voz embarga
e renova tanto tanto
um encanto, e no entanto,

não há paz nesse cantar
por querer um artifício
é que canto tão somente
pra buscar um armistício

nessa guerra, que megera
leva sempre minha paz
e por querer alguém capaz
de me querer e a nada mais

é que canto descontente
e a despeito de cantar
não encontro um só eco
que alivie este penar

e tão triste seguindo
sob o manto negro
da noite cálida
até que me calo

terça-feira, outubro 14, 2008

Eu II (Poema Sibilado)

Contemplo meu corpo nu:
não sou forte,
não sou fraco.
Não sou gordo,
tampouco magro.
Nem belo, nem feio.
No espelho,
o que vejo
é ordinário,
é vulgar.
Em cada esquina
um outro ser
que poderia ser eu.


Eu sei tanto
de toda vã teoria.
Só não sei o servir
de todo esse saber.
Se sou só um simples
sujeito comum,
sujeito às vicissitudes
como todo o resto.


Eu canto e toco
um tanto desafinado.
Também desenho,
nada rebuscado.
E rabisco
poesias.
Junto palavras soltas,
o que é fácil:
para ser poeta,
não precisa de rima,
nem de palavra certa,
nem de obra-prima.


Pra fazer poesia
contemplo o vento,
vomito melancolia,
pranto e lamento.
Também sou fingido:
falseio felicidade.
Um sorriso polido
gotas de falsidade.

Timidez

Eu sou o fogo
que não sabe arder
a água insalobra
a promessa de chuva
o botão da flor
no Inverno.

Meu amor
é o amor
das cartas de amor
esquecidas na gaveta.
É a foto
não revelada.
A promessa não cumprida.

O que eu quero
é segredo
é um olhar de cobiça
misto de medo e preguiça:
é inércia.

Roubar teus beijos,
tomar teu fôlego.
Imaginar é sofrer
a dor de quem não sabe
se vai ou se fica.

Por isso escrevo,
inútil dizer escrito
do que deve ser dito,
bradado:
te desejo,
e mais nada.

Tímido adj 1. Que tem temor. 2. Que tem dificuldade de relacionar-se com outrem; acanhado, bisonho, retraído. 3. Próprio de tímido. 4. Fraco, frouxo.

Mnemosène

*Para minha amiga Michelle
A vida passa.
O mundo gira.
Tudo muda.
Pouco fica.
Da história que tivemos
tudo escrito
a ferro e fogo
na breve memória.
Mas o tempo
algoz faminto
e o esquecimento.
Tanto que já pressinto
o rio dos anos escoando:
como ampulheta,
areia fina entre meus dedos.
Ainda assim não foi levado
o que me restou de ti:
teu sorriso indelével.
Tua voz ecoa
ainda quando escoa
o lago das eras.
Caminhos bifurcados,
e o tanto que se perdeu.
Naquelas manhãs frescas
de minha juventude:
todo o companheirismo,
meu jeito estranho,
meu amor platônico!!!
As rosas dos teus
dezessete anos; cartões.
Rosas essas que foram botões
desabrochando apenas
para aquele momento:
esquecidas no tempo.
Outros Outubros vieram.
Outros muitos virão.
Sinto tua falta, amiga,
como os velhos sentem
saudades da infância
(hoje eu sou um velho)
a estranha ânsia
de voltar a história.
A tua fé,
a tua força,
é o melhor que tens.
E esse teu coração lindo,
que não conheça a amargura.
Os teus sonhos,
os teus medos,
teus anseios,
não mais os conheço.
O que não esqueço
é que és um anjo
linda de uma maneira
que outros não podem ser.
De mim não quero que lembres
quase nada,
já sabes o que sou.
Se posso, se permites,
peço tão somente,
que na tua solidão,
me inclua em tuas preces.
Quando é um anjo que pede
o céu se compadece.

segunda-feira, outubro 13, 2008

Vaga-Lumes

*Para RSS
Eu
que quase nunca a vejo
não deveria deitar palavras
de conselho.
Não deveria escrever nada,
tampouco,
elogiar os olhos dela
que puseram um raro azul
na minha rosa amarela.
Até tua confusão
é bela.
O seu desconhecer
sobre os caminhos espinhosos
do amor, da vida, da solidão
é também o meu desconhecer.
Um anjo de toda luz radiante
não deveria provar do sofrimento.
Mas não és boneca,
não tens o sorriso
emoldurado em porcelana.
Ainda prefiro que sejas feliz:
teu sorriso é fonte fresca.
Quando sorris
quase me esqueço
de toda a tristeza.
Quando sorris empalidece
a beleza
que não a tua.
Acentua
a tua luz
que não há outra igual.
Nem parecida.
Se eu fosse alguém
eu deitaria a luz do céu
os faróis
e os postes.
As algas luminosas,
os letreiros,
todo o fogo e toda luz.
Nesse negrume
só haveria os olhos teus
e os vaga-lumes.

Orvalho

Diga-me: quem colhe teu orvalho
nas manhãs mais felizes;
quem cala teus rancores
em corpos unidos como água e sal
num mar revolto.
Mostra-me a que vens
na velada noite de sepulcro pálido.
Sei que vens rasgar minha pele
com olhar pétreo,
mas não conheço, entretanto,
as razões de seu intento.
Mata-me, nessa tenra eternidade
de querer, sofrer e perder.
O instante de agonia é infinito
e tudo que tenho é a infinidade
de sofrimentos férreos.
Dá-me um quarto de um beijo
que seria rara cada estrela;
mas já por esmola tenho
a parte que a mim coube
na partilha de nosso amor:
recordações e nada mais.

Dialética Maldita

Não sei se é cansaço ou solidão
a nódoa em meu travesseiro.
Quando me deito
sempre sinto os fantasmas
daqueles que não amei.
De todos que se foram
os rostos desbotados
nos salões da memória.
Os eternos "e se"?
As natimortas possibilidades
de ser feliz.
Aqueles que eu esqueci
também me assombram
seus rostos, seus nomes,
suas vidas.
Aqueles que me traíram
aqueles que eu enganei.
Todos estão aqui.
Pedindo perdão.
Pedindo arrependimento.
Nada volta
dialética maldita do tempo.
Quase nada chama
em mim arrependimento.
Eu só me lamento
e sempre lamentarei
o beijo que não te dei
ontem.

Quadros

A minha casa é pequena
para tantas lembranças.
Nesse aperto me encolho
e as lembraças crescem.
Quando entro em casa
e dispo os sapatos
o presente, porta afora.
Porta adentro o passado.
Teu rosto me assombra
na sombra das paredes
quadros invisíveis teus
sussurram teu nome.
Três sofás velhos gastos
e um sino-dos-ventos
sabem que em vão invento
maneiras de te olvidar.
Esta é minha casa
meu lar sempre foi
o que restou de ti:
lembranças.

Tenho Asas

Há tanto tempo
que te foste
que trago a tristeza
cristalizada.
Há muito tempo
havoa tempo
de lamentos
lamuriantes.
A vida é curta
mero pestanejar
ainda houve tempo
de te amar.
Mas um dia
estou sozinho
tenho asas
não tenho ninho.

Grito

Eu quero gritar
a minha perda.
Tê-la espalhada
nos recantos do mundo,
nos quadros-negros das escolas,
nas avenidas, mansões.
Praias e desertos
se encherão com meu alarde.
E nos largos das ruas
e nas mesas dos bares
nos bordéis,
ônibus de viajantes
distantes de casa,
nas praças interioranas
afixaraão-se cartazes.
Nas notas de troco,
talões de cheque,
bilhetes de cinema,
maços de cigarro,
haverá uma mensagem.
Que a minha tristeza
caia com a noite
envolvendo o mundo
nesta mortalha de pesar.
Que a minha dor
fulgure com o Sol
gerando flores
e animais pestilentos.
Que o sal dos meus olhos
sature toda a água,
todo o chá, todaa carne
e a pele de todas as amadas.
Nas calçadas
de aglutinadas multidões
nas casas todas
todos saberão
que te perdi.

Pesares

Tenho vastas lágrimas,
infindas lástimas,
e nos meus olhos
tenho restoios.
Trago pesares diversos,
duros mares desertos;
por trás de óculos opacos
o odor do tabaco.

Poeta Vagabundo

Tudo que ouço
torno em poesia
e a poesia minha
é só melancolia.
O que eu guardo
a penas duras
é o teu adeus:
suaves torturas.

"Gosto de escrever poesias
porque outros poetas vão lê-las
e apreciá-las".

domingo, julho 06, 2008

Insaciável

Eu vou fazer greve de fome,
vou gritar com o telefone.
Olha que costuro o teu nome
na boca do sapo;
pra te ter do meu lado
eu faço trato com Iemanjá,
e se tudo der errado
(que não dê, oxalá)
pego o Santo Antônio de coitado,
eu o viro de cabeça para baixo
e o tranco no armário.
Me rebaixo se necessário,
eu imploro, e do contrário
te mando um bouquet
de sei-lá-o-quê
flores importadas
de perfume raro.
Pra que venhas me ver
aprendo a dançar forró
que não quero ficar assim só,
que só te olhar é uma tortura!
Até na porta boto ferradura
pra dar sorte.
Eu brinco com a morte:
jogo capoeira de São Bento
com dez navalhas,
não me contento com migalhas
num sábado à noite.
Eu sou teu escravo,
tu és meu açoite.
Perfumo teu quarto com cravos,
se quiseres;
eu defloro mil mal-me-queres
pra que me queiras,
faço das minhas roupas bandeiras
e corro pelado.
Eu saio nu pela avenida
gritando "viva la revolución!"
Eu mudo o que sou
deixo de gostar de rock and roll
e decoro cem letras de bolero.
Vou a pé do Oiapoque
ao Chuí, ou a Bangkok,
aprendo a gostar da Belle Epoque.
Te chamo de má cherie,
faço aulas de francês
e preparo um jantar tailandês.
Eu luto Muay Thay,
invado o quintal da tua casa
enrolo o teu pai.
Eu crio asa,
viro vira-latas,
gato siamês no cio.
Eu corto os pulsos,
raspo a cabeça:
só não desapareça.
Eu tanto te quero,
que passo a gostar de esperanto,
te quero tanto!
Eu levo tudo isso a sério,
até o teu mistério,
teus ares de Mona Lisa
que nem precisa
de todo o meu esforço.
Exponho o meu pescoço,
te dou minha jugular:
venha me morder depressa,
venha me devorar.
Só me interessa
que haja algum encontro,
que haja um beijo
que sacie meu desejo
insaciável.

terça-feira, julho 01, 2008

25 anos


1

Nesse dia especificamente estranho
me sinto como se houvesse dormido mil anos.
Meus olhos pesados como pedra:
o corpo dormente como um rio manso.
Todos falam incessantemente:
me falam de suas vidas,
das vidas alheias, de seus projetos;
eu não quero saber.
Tuas palavras não me servem,
teu choro não me comove.
2
Todos crescem, casam, criam,
amam e traem. Vão e vem.
Ora estão mal, ora estão bem,
outros sempre mal.
As pessoas são sempre as mesmas,
palavras, olhares e, perfumes.
Ruas são alargadas, novas casas,
novos seres humanos.
3
Mas o que há de realmente novo?
Depois de tanto tempo,
é como se a cada manhã despertasse
não do sono de uma noite,
mas dos sonhos de um matusalém.
Lançaram um novo imposto,
um novo carro, um novo satélite.
4
Estou alheio a tudo e todos.
Minha amiga teve um filho,
meu amigo se casou,
outro alguém arranjou emprego,
e agora só falam disso.
Nós conversávamos sobre história,
sobre histórias, idéias e músicas.
Conversávamos sobre o futuro:
o futuro deles chegou.
Não é como esperávamos,
mas eles parecem felizes
Eu só queria viver um dia de cada vez:
não pensar sempre nas contas
do quinto dia útil de cada mês.
5
Eu só preciso de três certezas:
a primeira de que tenho amigos,
não amigos de ocasião
mas sim aqueles leais e justos,
que jogarão baralho comigo
nas praças de nossas juventudes
(que serão então de outros jovens)
daqui a muitos anos.
A segunda certeza de que preciso
é a certeza de que me amas,
de que não me beijas por obrigação.
Quero saber se sentirás sempre
aflição com o meu atraso
e saudade do meu peito
(mesmo velho e carcomido)
mesmo quando distante
alguns minutos apenas.
A última certeza é a de estar vivo.
Porque viverei enquanto encontar prazer
na comida, na bebida,
em contemplar a lua
e me banhar no tímido sol
das manhãs de inverno que tanto adorei.
Viverei enquanto houverem acontecimentos
que eu queira contar aos amigos.
Enquanto houver riso, viverei.
Enquanto puder te olhar, viverei.
Sentir o teu toque na minha pele
e contemplar teus olhos grandes, infinitos,
disso não abro mão.
6
Hoje sou mais velho
do que jamais fui.
Esta sensação estará presente pra sempre.
Mas enquanto eu puder viver,
seguirei vivendo...


(tenho 25 anos de sonho e de sangue; e de América do Sul, por conta desse destino o tango argentino me cai bem melhor que o blues...)

sexta-feira, junho 20, 2008

Il Amanti Pagliacci

Amar é se perder
e eu que já nasci perdido
nem posso ser esquivo.

Amar é negar-se
e afirmar-se no ente amado
amar é ser um nada.

O amar é um tropeço,
um percalço,
um cadafalso.

Eu nasci perdido,
do nada vim e ao nada vou.
Tenho nascido a cada dia
entre a minha solidão e esta forca.
Tenho acordado trôpego
se amar for tropeço.
Tenho vivido cego,
e surdo, e mudo.
Suado frio em noites quentes
e estado febril nas tardes frias.
Tenho estado do avesso;
tenho errado de endereço.
Desenganado pelos males
dessa doença cálida,
não encontro medicina
que me ache nestas esquinas.
Tenho morrido de pânico
e de pavor.
Tenho soluço e cólicas terríveis.

No entanto
não tenho queixas, nem pranto.
É assim que vivo
é assim que morro.
Enquanto permitir essa escassa vida
sigo amando.



quinta-feira, junho 19, 2008

Ibara no Namida (Lágrimas de Espinhos)

Passou o tempo
e eu passei.
Fiquei prostado assistindo.
Eu dormia em ti e em ti acordava.
Agora sou como um matusalém:
letárgico como uma enchente.
Meus olhos doem
na luz da Primavera.
Minhas narinas ardem
com o frescor da dama-da-noite.
Minha pele queima
com a brisa gélilda e montanhesa.
Meu hálito exala mil anos.
Todos mudaram
e ainda são os mesmos.
Nada realmente muda.
Deixe-me despir você do meu peito.
Deixa meu peito nu
emaranhar-se nos espinhos das roseiras;
deixa minha pele nua
banhar-se de lágrimas frescas.
Eu agora quero viver:
afasta-te, fantasma: o passado.
Agora tudo passou.
E eu estou passando.
Deixa haver pranto,
deixa haver espinho,
que eu quero sofrer.
Eu quero que o meu sangue
verta na terra árida.
Eu acho que isso é viver.
Deixa haver lágrima
e deixa haver espinho.
Só não deixa haver lembrança.

segunda-feira, abril 07, 2008

RAÍZES

Eu sou
a ceifa de todas as raízes
a colheita dos destroços
a enxurrada de água limpa.

O céu e o mar
cabem na palma da minha mão.
Assim como o meu futuro
está contido entre três segundos.

Tenho a mim mesmo
preso em uma moldura.
E é como se tudo fosse novo
mas na verdade é velharia.

Eu sou eu mesmo
e sou o mesmo.
Meu passado é meu futuro
num ciclo maia de previsões .

Liberta-me dessa corrente.
Marca minha pele aos gritos.
Encerra minha calma.
Destrói meus arcos de palha.
Corta minhas raízes
que só assim serei teu.

HERANÇA

Tenho tanto dela hoje.
Eu herdei dela toda a escuridão.
Daquela que tombou as estrelas
herdei o negrume de cabelos longos
e a solidão em meu nome.

Entre minha língua e nome dela
foi feito um pacto de adoração.
Ostenta ainda minha pele
a marca daqueles dentes
e a brasa daqueles seios.

Herdei de tua pele velina
a maciez de minhas ofensas.
De quando me dilaceravas
tenho as marcas de chicote
e o olhar ferino arquejante.

De todas as tardes afogadas
nos labirintos do ventre dela
ainda tenho hoje a febre.
Tenho um mar misto
de naufrágio e tragédia.

Em dias assim
tenho tanto dela
e tão pouco de mim...
Nestas tardes e reveses
parece que é como
se eu ainda a tivesse.

Candelabro

Eu construí uma ponte sobre o tempo
Visitei a sala da memória
E exumei o sepulcro do passado
Mas o cadáver não era belo.

Detrás da porta do esquecimento
Trancado por sete mil chaves
Velado por aurora afogueadas
Achei teu fantasma faminto.

Encontrei candelabros tristes
E poeira de sonhos no abandono
Fotografias desbotadas de risos
E lágrimas novas de chuva.

Ali na casa sem número
Na alameda da solidão e saudade
No alto da montanha remota
eu me perdi e te encontrei.

E de tanta dor e tanto peso
Encerrei nessa laje o lamento
Entre te lembrar e estar preso
Eu escolhi o esquecimento.