domingo, julho 06, 2008

Insaciável

Eu vou fazer greve de fome,
vou gritar com o telefone.
Olha que costuro o teu nome
na boca do sapo;
pra te ter do meu lado
eu faço trato com Iemanjá,
e se tudo der errado
(que não dê, oxalá)
pego o Santo Antônio de coitado,
eu o viro de cabeça para baixo
e o tranco no armário.
Me rebaixo se necessário,
eu imploro, e do contrário
te mando um bouquet
de sei-lá-o-quê
flores importadas
de perfume raro.
Pra que venhas me ver
aprendo a dançar forró
que não quero ficar assim só,
que só te olhar é uma tortura!
Até na porta boto ferradura
pra dar sorte.
Eu brinco com a morte:
jogo capoeira de São Bento
com dez navalhas,
não me contento com migalhas
num sábado à noite.
Eu sou teu escravo,
tu és meu açoite.
Perfumo teu quarto com cravos,
se quiseres;
eu defloro mil mal-me-queres
pra que me queiras,
faço das minhas roupas bandeiras
e corro pelado.
Eu saio nu pela avenida
gritando "viva la revolución!"
Eu mudo o que sou
deixo de gostar de rock and roll
e decoro cem letras de bolero.
Vou a pé do Oiapoque
ao Chuí, ou a Bangkok,
aprendo a gostar da Belle Epoque.
Te chamo de má cherie,
faço aulas de francês
e preparo um jantar tailandês.
Eu luto Muay Thay,
invado o quintal da tua casa
enrolo o teu pai.
Eu crio asa,
viro vira-latas,
gato siamês no cio.
Eu corto os pulsos,
raspo a cabeça:
só não desapareça.
Eu tanto te quero,
que passo a gostar de esperanto,
te quero tanto!
Eu levo tudo isso a sério,
até o teu mistério,
teus ares de Mona Lisa
que nem precisa
de todo o meu esforço.
Exponho o meu pescoço,
te dou minha jugular:
venha me morder depressa,
venha me devorar.
Só me interessa
que haja algum encontro,
que haja um beijo
que sacie meu desejo
insaciável.

terça-feira, julho 01, 2008

25 anos


1

Nesse dia especificamente estranho
me sinto como se houvesse dormido mil anos.
Meus olhos pesados como pedra:
o corpo dormente como um rio manso.
Todos falam incessantemente:
me falam de suas vidas,
das vidas alheias, de seus projetos;
eu não quero saber.
Tuas palavras não me servem,
teu choro não me comove.
2
Todos crescem, casam, criam,
amam e traem. Vão e vem.
Ora estão mal, ora estão bem,
outros sempre mal.
As pessoas são sempre as mesmas,
palavras, olhares e, perfumes.
Ruas são alargadas, novas casas,
novos seres humanos.
3
Mas o que há de realmente novo?
Depois de tanto tempo,
é como se a cada manhã despertasse
não do sono de uma noite,
mas dos sonhos de um matusalém.
Lançaram um novo imposto,
um novo carro, um novo satélite.
4
Estou alheio a tudo e todos.
Minha amiga teve um filho,
meu amigo se casou,
outro alguém arranjou emprego,
e agora só falam disso.
Nós conversávamos sobre história,
sobre histórias, idéias e músicas.
Conversávamos sobre o futuro:
o futuro deles chegou.
Não é como esperávamos,
mas eles parecem felizes
Eu só queria viver um dia de cada vez:
não pensar sempre nas contas
do quinto dia útil de cada mês.
5
Eu só preciso de três certezas:
a primeira de que tenho amigos,
não amigos de ocasião
mas sim aqueles leais e justos,
que jogarão baralho comigo
nas praças de nossas juventudes
(que serão então de outros jovens)
daqui a muitos anos.
A segunda certeza de que preciso
é a certeza de que me amas,
de que não me beijas por obrigação.
Quero saber se sentirás sempre
aflição com o meu atraso
e saudade do meu peito
(mesmo velho e carcomido)
mesmo quando distante
alguns minutos apenas.
A última certeza é a de estar vivo.
Porque viverei enquanto encontar prazer
na comida, na bebida,
em contemplar a lua
e me banhar no tímido sol
das manhãs de inverno que tanto adorei.
Viverei enquanto houverem acontecimentos
que eu queira contar aos amigos.
Enquanto houver riso, viverei.
Enquanto puder te olhar, viverei.
Sentir o teu toque na minha pele
e contemplar teus olhos grandes, infinitos,
disso não abro mão.
6
Hoje sou mais velho
do que jamais fui.
Esta sensação estará presente pra sempre.
Mas enquanto eu puder viver,
seguirei vivendo...


(tenho 25 anos de sonho e de sangue; e de América do Sul, por conta desse destino o tango argentino me cai bem melhor que o blues...)