terça-feira, abril 17, 2007

Outonal

Nada me toca porque sou tardio.
Eu sou o sol num pulsilânime dia invernal.
Os olhares alheios não me tocam,
assim como as ondas
jamais alcançam o topo dos platôs.
Minha pele platinada
não mais pode ser ferida;
uma vez que sofrer é sentir,
e já não sofro; tampouco sinto.

Minhas mãos já não podm ser aquecidas.
São pólvora encharcada:
salitre imprestável.
Sou forte como um carvalho
mas velho e triste como os jatobás,
e também exalo o perfume dos eucaliptos
envelhecidos e secos do solo exaurido.
Meus olhos são impenetráveis e negros
como o fundo dos oceanos azuis.
O sal de lágrimas coaguladas
é o que sobra
aos que se aproximam.

Meu movimento é invisível,
é o vento que carrega
as agruras do milho esfarelado
em moinhos na Holanda.
Passo por entre pessoas apressadas
e nem me notam.
Mas me sobram os pássaros
que me seguem sem destino
porque sabem ser livres,
belos, tristes e passageiros.
A única diferença espantosa
entre eu e os pássaros
é que não fujo do Inverno.

Sou tão belo e tão notável
como o é um ipê em pleno Outono.
Eu sou o Outono:
que não carrega o frio do Inverno,
nem os botões da Primavera,
e menos ainda o calor veraneio.
Esse ano o Outono veio mais cedo.

Leandro Felix - still awake... I'll continue to move along, cultivating my own non-sense... Welcome to the wastelands, where you'll find ashes, nothing but ashes. Still awake, bringing changes, bringing moviment, bringing life. The silent plain, along the way, desappearing in the air... rising, sinking, raining deep inside me. Nowhere to turn... I look for a way back home...
It's rainin', rainin', rainin', on the streets of New York city, it's rainin', rainin', rainin' deep in Heaven... (Dream Theater - Trial of Tears - Part III: It's Raining)

Faça de conta (Make Believe)

Faça de conta
que a solidão aduaneira de nossos dias
destituiu-se como folha no Outono tenro,
e nosso querer brotou
como semente guardada
esperando as lágrimas das nuvens.
E tente acreditar
que as calejadas palmas das minhas mãos
se aproximam de tua fronte serena
em um carinho novo e antigo:
novo como a brisa,
mas antigo como a própria velhice.

Faça de conta
que o calor da minha ávida boca
é por demais ainda capaz
de fender o gelo tenaz da alma tua,
e alimentar o rio imorredouro
que fatigadamente corre nas perdidas eras
estatelando-se farto
de teus seios até teus joelhos.

E faça de conta
que os lírios ainda perfumam teus cabelos
quase desdenhados
pelo ditoso sorriso de quando por presente
da terra os colhi.
E se os lírios podem figurar
por entre os fios negros, se podem
iluminar fios escuros como os olhos da noite,
talvez possam nas veredas
iluminar também minha tez tristíssima.

Também faça de conta
porque peço e porque é possível
que o lume da noite observa do infinito céu
o nosso sôfrego beijo
como um gato negro que observa a própria noite
e o próprio beijo, que é parecido
com um faz-de-conta sem culpa,
sem âmbito nem ambigüidade:
é só um querer baldio,
como quando a chuva deseja cair no fim da tarde
e o sol quando enseja o nascimento na aurora gélida.

Peço: não porque posso,
já que a noite não pede para ser a noite,
e o rio não pede licença para passar.
Peço porque não é muito o que quero,
e posto que seja somente
um faz-de-conta. Faça de conta.
Meu coração é pata de lobo
atravessada pela ferro frio,
e minha alma semente na terra estéril;
meu corpo é madeira seca em chamas,
e estala com o calor emenado dela.

Deixe algo mais:
alivie meu tormento de mil trovões
retumbando num abismo sem fundo;
retire minha tristeza de rocha
mil anos ferida nas tempestades bravias;
apenas cerre a cortina de teus olhos infinitos
e acredite.

Leandro Felix - make believe, make believe, make believe...