sexta-feira, junho 20, 2008

Il Amanti Pagliacci

Amar é se perder
e eu que já nasci perdido
nem posso ser esquivo.

Amar é negar-se
e afirmar-se no ente amado
amar é ser um nada.

O amar é um tropeço,
um percalço,
um cadafalso.

Eu nasci perdido,
do nada vim e ao nada vou.
Tenho nascido a cada dia
entre a minha solidão e esta forca.
Tenho acordado trôpego
se amar for tropeço.
Tenho vivido cego,
e surdo, e mudo.
Suado frio em noites quentes
e estado febril nas tardes frias.
Tenho estado do avesso;
tenho errado de endereço.
Desenganado pelos males
dessa doença cálida,
não encontro medicina
que me ache nestas esquinas.
Tenho morrido de pânico
e de pavor.
Tenho soluço e cólicas terríveis.

No entanto
não tenho queixas, nem pranto.
É assim que vivo
é assim que morro.
Enquanto permitir essa escassa vida
sigo amando.



quinta-feira, junho 19, 2008

Ibara no Namida (Lágrimas de Espinhos)

Passou o tempo
e eu passei.
Fiquei prostado assistindo.
Eu dormia em ti e em ti acordava.
Agora sou como um matusalém:
letárgico como uma enchente.
Meus olhos doem
na luz da Primavera.
Minhas narinas ardem
com o frescor da dama-da-noite.
Minha pele queima
com a brisa gélilda e montanhesa.
Meu hálito exala mil anos.
Todos mudaram
e ainda são os mesmos.
Nada realmente muda.
Deixe-me despir você do meu peito.
Deixa meu peito nu
emaranhar-se nos espinhos das roseiras;
deixa minha pele nua
banhar-se de lágrimas frescas.
Eu agora quero viver:
afasta-te, fantasma: o passado.
Agora tudo passou.
E eu estou passando.
Deixa haver pranto,
deixa haver espinho,
que eu quero sofrer.
Eu quero que o meu sangue
verta na terra árida.
Eu acho que isso é viver.
Deixa haver lágrima
e deixa haver espinho.
Só não deixa haver lembrança.