quinta-feira, maio 20, 2010

Nossa poesia de todo dia

A poesia não morreu.
Ela cansou de ser conjugada,
escravizada em estrofes e redondilhas.
Quis mudar de ares, mudar de rimas.
A poesia entediou-se
nos meus lábios e no meu peito.

Não mais como dantes, quando,
aos meus caprichos atendia,
e vinha ao meu bel-prazer
sentar-se ao banquete das palavras.
Agora vem com quer, a poesia,
fugidia, mulher faceira.

Levou consigo o vocabulário,
e qual menino, eu balbucio,
as palavras que ficaram,
as que não pôde levar.
Entre todas as que sobraram,
a mais bonita é o teu nome.

A poesia mudou de casa:
foi morar nos
teus olhos azuis.

domingo, janeiro 03, 2010

Mulher

Todo o pecado está na mulher:
toda a maldade desmedida
está naquela que se deita com muitos ,
se compraz com poucos
e se entrega a nenhum.
Toda mulher é um oferecimento:
toda a luxúria incontida
está naquela que é grito e murmúrio,
gemido e choro,
criança e devassa.

Toda a bondade está na mulher:
todo o prazer edênico
está naquela que se aflige com muitos,
sofre por muitos
e chora por muitos.
Toda mulher é uma consolação:
todo o afeto possível
está naquela que é lágrima e riso,
prece e blasfêmia,
anjo e valquíria.

A mulher não se pretende amante,
não se limita a ser mãe.
A sua graça, encanto,
armadilha e veneno,
seu enredamento: tudo existe
só porque a mulher se sabe mulher.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Solidão

A solidão é uma casa grande, desabitada e estéril. Sem portas ou janelas. De dentro, não se vê saída, e os de fora não querem entrar.
A solidão é uma casa pequena, opressora e estreita. Presa ao passado, à própria poeira. Seu ser é cada fissura nas paredes; é todo inseto e ácaro que a infestam.
Sua fachada é cada bicho que a circunda, ou a habita.
E, no meio dos bichos, eu, mais bicho, mais poeira, passado, solidão.
A Volta

Eu voltei da morte, da loucura
Trezentos dias de sombras
E tantas noites de desassossego
Eu voltei do mármore,
do cadafalso, da guilhotina.

Sem cantos, cumprimentos ou festas,
voltei sutil, como na ida.
Olhos cansados, ombros curvados,
carcomido até os ossos de tristeza;
pior que a morte só a derrota.

Eu voltei sozinho, navegando.
Um mar de dores o meu caminho
despindo dia e noite trapos de ilusão.
Do pó eu vim e do pó voltei
para ver teus olhos e alisar teu cabelo.