quinta-feira, janeiro 25, 2007

Ciranda

Ciranda

I - A chuva

A chuva desprende suas gotas pesadas
e ensina
que é pouco o tempo para o erro
e nenhum para o arrependimento.
A chuva não erra, apenas cai.
Faz o que é de sua natureza.
E nós temos tanto de humanos
e tão pouco de chuva.
Caímos tão depressa
e nos levantamos tão tardiamente.
A chuva está acima do mundo
e das coisas mundanas: é divina.
Nós tão fugazes, como chuva,
mas tão mundanos e concretos.
Na verdade sei que
o que entedemos da chuva
são apenas as lágrimas.

II - O mundo

O mundo gira. Sempre.
Mas quando eu estava imerso
na profundidade de teus beijos
o mundo parava.
Mas agora o mundo quer girar
e girar e girar e girar.
E eu sempre atordoado...
Alguns acreditam com espantosa firmeza
que o mundo gira ao redor deles
e existe só para si.
Mas o mundo faz o que sabe: girar,
e nós não sabemos o que fazemos.
Por isso destruimos o mundo,
por inveja e confusão.

III - O tempo

Quando envelhecer
eu quero a minha infância de volta.
E também quero esses momentos novamente.
Quando a morte se aproximar severa
eu lembrarei apenas de fragmentos.
Mas eles não voltam.
Nada volta. Tudo muda.
O que fica é a lembrança
divina e mortal, bálsamo e veneno:
sempre nos assombra
o que jamais seremos outra vez.
Mas ainda temos como a um sonho
o passado, esse amigo traiçoeiro.
O tempo apenas passa, calmo.
Mas o homem não quer ver o tempo passar:
por isso apenas mata o tempo.

IV - A vida

E o passado talvez não seja o suficiente,
mas é o caminho que a vida desenhou.
Saberei um dia se é exato ou abissal
mas será tão tarde então;
terei a memória fugidia.
Mas tu és como a chuva,
cumprindo o teu propósito:
alegrar a muitos e entristecer a poucos
que não sabem o significado da chuva.
És também como o mundo
a rodar a graciosa ciranda,
sorriso de criança.
Assemelha-te ao tempo:
passas e deixa tuas marcas,
ainda que ele envelheça os que marca,
você os rejuvenesce, porque é o teu dom.
Só teu e de mais ninguém.
Quando o tempo tiver cobrado de mim
a corvéia dos servos da vida e da morte, os humanos;
terei os dedos já sem força,
mas nos lábios trêmulos e murchos como uva morta
ainda caberá o gosto vivo
como se o tempo não o tivesse diluído,
o gosto doce e indelével
do beijo último teu.

Não é minha melhor poesia, mas é a mais sincera. Sei que você prefere a sinceridade que a estética. "É morena, 'tá tudo bem, sereno é quem tem a paz de estar em paz com Deus... Promessa cumprida".

terça-feira, janeiro 16, 2007

Hoje de Manhã
Alberto Caiero (Fernando Pessoa)

Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.

Assim tem sido sempre a minha vida, e
assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Sobre dias e noites

Quando o sol deitar o seu flavo rosto
engolido no abismo de breu do crepúsculo
e a noite bramir a espada inclemente,
as estrelas estenderem o véu da noite
saiba que ainda aqui te espero.

Quando a aurora deitar a escuridão maciça
e o dia voltar a respirar a claridade,
tu acordarás não tão sozinha em algum canto
porque eu aqui sozinho ainda te espero.
nunca é só quem é aguardado.

Quando o fado veludo do erro passado
agora transformado em lágrimas desterradas
tomar teu rosto em águas dançantes,
não estará errada, posto que a augusta espera
remirá os teus pecados tristes.

E se o assalto deveras insosso e causto
dos anjos negros da morte invérnea
assolarem o último dos dias de teus anos,
proste-se em paz, conserva teu sorriso:
mas eu que fui espera dias e noites morro.

Felix
"Espero por quem quer que seja, desde valha a pena"

Dum spiro spero

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Eu e você

Me espere como se espera a uma carta anseada:
amando a espera e imaginando minhas palavras;
me recorde como se recorda um verão intenso,
esqueça minhas tempestades e guarde o meu calor.

Me queira como se quer a uma lua longínqua,
ainda que não me tenhas conserve minha luz.
Me tenha como tens a tua saudosa infância
que é só tua, e que ninguém relegue ao olvido.

Me perca como se perde um rei negro no xadrez,
com soberba e resignação vencedoras de quem ousa.
Me lembre como se lembra um primeiro beijo,
que ainda que só lembrança seja único e primeiro.

Me ame como te amo.

domingo, janeiro 07, 2007

Pensamentos

Pensei em me fazer Primavera
para espantar o seu longo Inverno,
colorir de cores vivas o teu frio eterno,
aquecer em chamas vivas tua palidez serena.
Imaginei me tornar estrada
para trespassar a distância ausente,
eternizar uma ponte entre toda a gente,
ligar as almas em sua solidão febril.
Queria ser todo Novembro ardente
enfrentar os desencantos do inabalável Agosto,
ser o sol a queimar o teu enrubescido rosto,
derreter a neve no cume dos medrosos corações.
Fazer-me certeza próxima e convicta,
a tua dúvida férrea despedaçar como vidro fino,
amendrontar com a certeza o incerto destino,
ser o todo certo e a via clara e a terra firme.
Mas deixa estar, que o não precisar eu finjo,
o esquecer eu imagino,
e vou vivendo.
Felix