terça-feira, abril 17, 2007

Faça de conta (Make Believe)

Faça de conta
que a solidão aduaneira de nossos dias
destituiu-se como folha no Outono tenro,
e nosso querer brotou
como semente guardada
esperando as lágrimas das nuvens.
E tente acreditar
que as calejadas palmas das minhas mãos
se aproximam de tua fronte serena
em um carinho novo e antigo:
novo como a brisa,
mas antigo como a própria velhice.

Faça de conta
que o calor da minha ávida boca
é por demais ainda capaz
de fender o gelo tenaz da alma tua,
e alimentar o rio imorredouro
que fatigadamente corre nas perdidas eras
estatelando-se farto
de teus seios até teus joelhos.

E faça de conta
que os lírios ainda perfumam teus cabelos
quase desdenhados
pelo ditoso sorriso de quando por presente
da terra os colhi.
E se os lírios podem figurar
por entre os fios negros, se podem
iluminar fios escuros como os olhos da noite,
talvez possam nas veredas
iluminar também minha tez tristíssima.

Também faça de conta
porque peço e porque é possível
que o lume da noite observa do infinito céu
o nosso sôfrego beijo
como um gato negro que observa a própria noite
e o próprio beijo, que é parecido
com um faz-de-conta sem culpa,
sem âmbito nem ambigüidade:
é só um querer baldio,
como quando a chuva deseja cair no fim da tarde
e o sol quando enseja o nascimento na aurora gélida.

Peço: não porque posso,
já que a noite não pede para ser a noite,
e o rio não pede licença para passar.
Peço porque não é muito o que quero,
e posto que seja somente
um faz-de-conta. Faça de conta.
Meu coração é pata de lobo
atravessada pela ferro frio,
e minha alma semente na terra estéril;
meu corpo é madeira seca em chamas,
e estala com o calor emenado dela.

Deixe algo mais:
alivie meu tormento de mil trovões
retumbando num abismo sem fundo;
retire minha tristeza de rocha
mil anos ferida nas tempestades bravias;
apenas cerre a cortina de teus olhos infinitos
e acredite.

Leandro Felix - make believe, make believe, make believe...


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